COP27: Propostas internacionais antidesmatamento devem considerar conhecimento dos povos indígenas 

, Carine Bergmann 16 de novembro de 2022
 COP27: Propostas internacionais antidesmatamento devem considerar conhecimento dos povos indígenas 

BrazilHub levanta debate sobre necessidade de as legislações americana e europeia consultarem as comunidades tradicionais na construção de leis que impactam diretamente a vida desses grupos. 

As propostas de legislações internacionais antidesmatamento devem incluir e levar o conhecimento dos povos indígenas em consideração, além de abranger demais vegetações que não só as consideradas “florestais” pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Este foi o foco do debate “A necessidade de proteção legal externa contra a grilagem de terras”, realizado nesta segunda-feira (14), no espaço Brazil Climate Action Hub da COP27, que este ano ocorre em Sharm El-Sheikh, no Egito.

Caso as propostas considerem como áreas a serem protegidas apenas aquelas caracterizadas como florestas de acordo com a definição da FAO os biomas brasileiros que possuem prioritariamente outros tipo de vegetação nativa estarão descobertos, permitindo que as commodities ocupem essas áreas sem nenhuma repreensão do mercado, conforme apontou a diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e moderadora do debate, Ane Alencar.

“Grande parte da soja brasileira é produzida no Cerrado, por exemplo. Ao utilizar a caracterização de floresta da FAO, mais de 74% da área de vegetação nativa do bioma estaria desprotegida pela legislação europeia, justamente onde ocorre grande parte do desmatamento: mais de 85% do total”, afirmou Alencar, destacando ainda que grande parte dos territórios indígenas possui cobertura vegetal não florestal nativa, o que traria um grande impacto para essas comunidades caso a lei seja aprovada da forma como está.

De acordo com o coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), DinamamTuxá, é preciso também que a lei da Comissão Europeia seja rediscutida, pressionando o parlamento europeu para que amplie o conceito de “floresta”, de modo a atender os anseios das comunidades indígenas e que de fato proteja os Direitos Humanos. “No formato em que se encontra, a proposta só vai tensionar ainda mais os territórios que estão de fora da cobertura, fomentando a destruição em biomas brasileiros”, enfatizou.

Segundo o assessor jurídico da Arpinsul(Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul), Marcos Kaingang, todas as decisões e discussões que impactam diretamente a vida dos povos indígenas devem ter a participação dessas comunidades, preceito constitucional fundamental que está consagrado na Carta das Nações Unidas.

“A legislação é uma conquista importante a nível de Amazônia, mas negativa para outros biomas como pampa, mata atlântica e cerrado. Temos muita sociobiodiversidade nesses espaços, mas que a comunidade internacional não conhece e que tentamos dar visibilidade. Por isso, é importante que a proposta seja rediscutida e reavaliada, dialogando também com os povos originários e outras legislações brasileiras”, finalizou Kaingang.

As propostas americana e europeia 

Na ocasião, a diretora do NWF (NationalWildlife Federation), Nathalie Walker, apresentou uma visão geral do Forest Act, projeto de lei dos Estados Unidos da América proposto em 2020 que pretende reduzir o desmatamento ilegal dos produtos importados ao regular a demanda com risco de impacto nas florestas, além de propor assistência aos países produtores.

Os produtos abrangidos pela regulamentação incluem carne bovina, couro, óleo de palma, soja, cacau, borracha e outros produtos derivados. Segundo Walker, a legislação traz um componente que trata sobre a garantia de que os esses produtos não estejam ligados à violência contra comunidades tradicionais e originárias e defensores do meio ambiente.

Mais recente, proposto em 2021 pela Comissão Europeia, o Projeto de Lei antidesmatamento da União Europeia prevê que as empresas que querem colocar seus produtos no mercado devem fornecer a localização exata de onde eles são produzidos. O escopo abrange seis tipos de commodities: óleo de palma, soja, madeira, carne bovina, cacau, café e alguns produtos derivados, como couro.

De acordo com a ativista de Consumo e Produção Sustentável, Nicole Polsterer, o comitê foi além para garantir que os direitos humanos internacionais sejam respeitados. “Segundo a proposta, os produtores precisam garantir que não estão violando principalmente os direitos humanos no uso da terra. Assim, podemos fortalecer os direitos dos povos originários”, explicou.

Diálogos sobre a sustentabilidade e a rastreabilidade 

A Comissão Europeia e o IPAM organizaram entre dezembro de 2021e setembro de 2022 uma série de três “Diálogos técnicos sobre a sustentabilidade e rastreabilidade das cadeias de valor de carne e couro”.Essa iniciativa criou um fórum para discussão sobre os desafios, oportunidades e ações futuras voltadas à transparência e sustentabilidade das cadeias de valor da carne bovina e do couro no Brasil, bem como a importância das políticas públicas.

Com base nesses diálogos e por meio de entrevistas com os principais stakeholders globais, o IPAM realizou um estudo sobre iniciativas de rastreabilidade nas cadeias de valor de carne bovina e couro no Brasil. Os resultados deste estudo foram apresentados na conferência de encerramento da série, identificandotreze delas, atualmente implementadas no país, seus benefícios e recomendações para dar escala a esses sistemas.

Dentre as iniciativas destacadas no estudo estão a Selo Verde, que tem como objetivo combater o desmatamento ilegal, o trabalho escravo, a ocupação de territórios tradicionais, além de promover a regularização fundiária; e a Conecta, que busca aumentar a transparência entre os elos da pecuária.

Texto – Sara Leal