Por Fernando Silva
Segundo a ONU, o mundo chegará a 40% de perda das reservas de água potável até 2030. Mesmo diante das atuais mobilizações de governos ao redor do globo – como na França, onde pequenas províncias combatem a seca distribuindo garrafas de 1,5L de água por cidadão, ou no Uruguai, que vem oferecendo água salobra do Rio da Prata para seus habitantes – e das iniciativas privadas a fim de combater a escassez hídrica, será que os esforços chegam perto de serem suficientes para uma possível crise global?
Quando a Organização das Nações Unidas anuncia risco iminente de crise hídrica global, não se pode esperar que a solução caia – literalmente – do céu. Afinal, desde 1983, o uso da água aumenta 1% a cada ano, frequência que deve manter o ritmo pelos próximos 27 anos. Em contrapartida, são mais de 2 bilhões de pessoas sem acesso a serviços de água potável, o que representa 26% da população mundial.
Enquanto os braços se cruzam diante da seca emergente, o desperdício de água segue em crescimento. No Brasil, por exemplo, 40,3% da água potável foi perdida durante a distribuição em 2021, o que, em outras palavras, quer dizer que 40 em cada 100 litros de água tratada para consumo humano no país são extraviados através de vazamento, fraude, negligência, dentre tantas outras problemáticas.
Sobre o consumo de fato, todo ser humano precisa de 110L de água por dia para necessidades de hidratação, alimentação, higiene e limpeza, o que corresponde a 3,3 mil litros mensalmente. Por brasileiro, o índice de consumo chega a 200 mil litros e, em muitos casos, de uma água fora das condições ideais. Segundo o DATASUS, é através dessa mesma água que 200 mil pessoas foram hospitalizadas em 2020 com doenças de veiculação hídrica, o que gerou um gasto de R$ 70 milhões de reais em internações ao invés de investimento em saneamento.
O uso doméstico, porém, não chega nem perto de ser o problema quando comparado às atividades econômicas que precisam dos recursos hídricos. A agropecuária por si só corresponde a 70% do consumo de água no mundo, atingindo o patamar de 72% no nosso país. Segundo o IBGE, o recorde foi em 2017, quando o setor registrou participação de 97,4% no consumo total de água no ano. O setor industrial vem em segundo lugar, responsável por 22%.
Se a falta de água para a população gera conflitos civis através de manifestações e paralisações, como vem ocorrendo nas ruas de Montevidéu, a seca global significa possível estopim de conflitos internacionais, as chamadas “guerras hídricas”, que se resumem a disputas geopolíticas decorrentes da disponibilidade e distribuição da água. Se estas provém da escassez, outras também são provocadas pela abundância. Corpos hídricos fronteiriços geram conflitos entre as regiões que separam devido a construção de hidrelétricas ou desvios de água.
No último dia 18, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta enfatizando a necessidade de preparação global para enfrentar episódios de altas temperaturas ainda mais severas. Uma estação meteorológica localizada em Turfã, Xinjiang, quebrou o recorde histórico de calor com uma temperatura máxima de 52,2°C às 19h do dia 16 de julho. 16 cidades italianas estiveram sob alerta vermelho durante o último fim de semana por conta da onda de calor prevista para persistir na semana seguinte, com a possibilidade de atingir 48ºC na Sardenha.
A preocupação se agrava diante das condições extremas de calor que vêm sendo observadas em diversas áreas do hemisfério norte, resultando em incêndios e colocando em risco a saúde das comunidades locais. Com isto, surge a preocupação da generalização de uma escassez hídrica que já ocorre em países nestas regiões, como França e Espanha, e delas o possível estopim para conflitos globais. Afinal, garrafas de 1,5L por dia e água salgada não serão soluções sustentáveis por muito tempo.
*Fernando Silva é CEO da PWTech, startup voltada para a purificação de água contaminada. Formado em engenharia química pelo Mackenzie e administração e negócios pela Harvard Business School, é executivo da área comercial com mais de 15 anos de experiência em negócios e soluções ambientais sustentáveis.