Sustentabilidade na mesa: Coluna de Miguel Leiria

, Regina 31 de julho de 2017
 Sustentabilidade na mesa: Coluna de Miguel Leiria

A partir de julho, o Movimento Nacional ODS Nós Podemos SC contará com colunistas que irão contar como estão atuando no dia a dia para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Para estrear a nossa primeira coluna, com vocês, Miguel Leira! Ele é formado em Gastronomia pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE e está envolvido em diversos projetos sociais nesta área. Miguel vai mensalmente nos trazer reflexões principalmente sobre o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável e o ODS 12  – Produção e Consumo Responsáveis.

 

Boa leitura 😉

 

 

 

“Um dos maiores sonhos da minha vida era trabalhar com algo que realmente fizesse diferença para o mundo. Por muitos anos não conseguia entender de que forma faria isso, uma vez que no universo gastronômico existe uma glamurização da profissão e a mídia influenciou nos últimos anos de maneira negativa em minha opinião, mostrando que alta gastronomia é para poucos. Sempre me revoltei com essa ideia de que um bom chef de cozinha produz alta gastronomia para pessoas selecionadas da sociedade. Essa “revolta” se dava justamente por não aceitar que ainda nos dias de hoje milhares de pessoas ainda morrem de fome todos os dias. Num país com tamanha fartura de alimentos como o Brasil, a principal refeição de muitos brasileiros ainda é água com farinha.

 

Então, mesmo estudando técnicas aprimoradas e toda a história da alimentação aliada aos bons costumes, sabia que poderia fazer diferente. Logo que entrei na universidade, conheci um projeto de extensão do curso de gastronomia que se chama “Sabor de Sobra”. Nesse projeto eram oferecidas oficinas eco-gastronômicas gratuitamente.

 

Não conseguia participar, pois trabalhava em uma delicatessen que servia pratos da gastronomia francesa e americana. Durante 2 anos vivenciei a realidade da maioria dos restaurantes de alto padrão que importam produtos, utilizam ingredientes selecionados, valorizam o que é de fora, e desperdiçam quilos e quilos de comida diariamente. Na minha opinião, isso não estava certo e eu precisava mudar aquela realidade que me incomodava. Tive longas conversas com professoras do curso, relatando toda a minha insatisfação e a vontade de mudar essa realidade. Foi aí que tomei coragem e apoiado por elas resolvi pedir a demissão para trabalhar dentro do projeto Sabor de Sobra.

 

Sabia que passaria por tempos difíceis, pois o projeto não pagava um salário, apenas uma bolsa auxilio, com desconto na mensalidade. Fui chamado de louco por muitos amigos e arrumei discórdias dentro de casa. Dentro do projeto comecei a estudar a realidade do desperdício de alimentos no mundo e desenvolver receitas fazendo o reaproveitamento de alimentos e o aproveitamento integral da matéria prima.

 

Durante 3 meses, ministrei as oficinas eco-gastronômicas e me aliei a um projeto que levava comida vegana a moradores de rua. Uma de minhas professoras mentoras, Yoná Dalonso, me apresentou o Social Good Brasil e sugeriu que eu participasse pelo projeto Sabor de Sobra. Fizemos um vídeo de inscrição e passamos na seletiva.

 

Durante o processo do SGB, fui conhecendo um universo até então fora da minha realidade, onde existiam pessoas como eu, afim de trabalhar com propósito impactando positivamente no planeta. Foi aí que conheci o empreendedorismo social e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A partir desse momento, tudo fazia sentido pra mim e tinha cada vez mais certeza que estava trilhando o caminho que sempre almejei. No tempo em que o concurso durou, tive a oportunidade de conhecer pessoas incríveis dispostas a colaborar umas com as outras.

 

Consegui ampliar as atividades do Sabor de Sobra passando a realizar eventos como o Festim da Xepa, que convoca voluntários para cozinhar com excedentes de entrepostos de alimentos, feiras e supermercados, produzindo almoços e lanches de forma gratuita para as pessoas a fim de mostrar que é possível produzir pratos incrivelmente saborosos apenas com excedentes. Consegui estabelecer parcerias com o Save food Brasil, Programa Mesa Brasil do Sesc, e com a Semana Lixo Zero. Junto ao Mesa Brasil do Sesc realizei e continuo realizando oficinas de reaproveitamento para as instituições cadastradas, onde os cozinheiros aprendem a utilizar o alimento de forma integral sem desperdícios, multiplicando a aproveitando melhor as doações recebidas pelo programa em suas instituições.

 

Conheci também o movimento Slow Food onde participei da fundação do convivium de nossa região, batizando de convivum Dona Chica. Para colaborar com as ações do movimento, todos os anos acontece simultaneamente em todo o planeta o Disco Xepa Day, onde os associados e voluntários organizam um evento para disseminar o combate ao desperdício de alimentos. Nessas ações sempre fazemos rodas de bate-papo onde apresentamos os ODS para que as pessoas possam conhecer e entender o motivo do evento.

 

No final do ano passado, juntamente com duas professoras do curso, Mariana Duprat e Gabriella Kerber, e a Nutricionista do Mesa Brasil Vanessa Speckhahn, resolvemos desenvolver uma solução para o desperdício de alimentos nas unidades de alimentação e nutrição. Juntos, fundamos a Sustenta, uma plataforma digital que oferece soluções sustentáveis em alimentação. O projeto virou uma Startup onde se encontra incubada na Cause, incubadora social do Inovaparq Joinville. No momento, estamos em fase de capacitação para o desenvolvimento do negócio, que tem como objetivo diminuir as perdas nessas unidades. O processo é longo, mas acreditamos que no próximo ano conseguimos lançar no mercado uma solução que ajude a diminuir o desperdício dentro dessas unidades que juntas, diariamente, desperdiçam toneladas de alimentos.

 

Além disso, existe a preocupação de aliar a plataforma maneiras de engajar os colaboradores dessas unidades a mudarem seus hábitos dentro do setor de produção e cozinharem com consciência ambiental. Sou recém formado em gastronomia, e nosso TCC dentro do curso tratou da elaboração de um plano de negócios para um empreendimento gastronômico. Meu projeto, obviamente deveria seguir os caminhos que percorri durante minha trajetória dentro da universidade. Planejei com muito carinho cada linha desse trabalho de conclusão. A ideia foi justamente baseada no ODS 12; Consumo e produção responsáveis, ODS que me move e abriu caminhos para seguir meu propósito de vida e profissional.

 

Junto com outra acadêmica, Bianca Vincence, desenvolvemos o trabalho inspirados por movimentos mundiais de combate ao desperdício de alimentos. A ideia foi desenvolver uma empresa que transforma os excedentes da produção de alimentos orgânicos em produtos de qualidade. Frutas e legumes que seriam desperdiçados por estarem fora dos padrões de consumo, são processados e transformados em conservas de compotas, geleias, patês, antepastos, chutneys, picles, relish, molhos, cremes e caldos. Os excedentes são adquiridos de produtores e distribuidores locais. São pequenos produtores da agricultura familiar orgânica de Joinville e região que fornecem seus excedentes por preços justos.

 

O objetivo junto a esses agricultores é estimular a economia local, valorizando o produtor e reduzindo ao máximo os impactos ambientais. Nosso projeto não ficou só no papel, a ideia realmente era fazer essa empresa existir. Após a finalização do trabalho, convidamos uma amiga apara integrar a equipe. Viramos três sócios e fundamos a Santa Xepa, uma empresa que tem como propósito colaborar com o ODS 12, diminuindo o desperdício de alimentos da produção orgânica e oferecendo uma solução para alimentos que seriam descartados, com a missão de promover consciência ambiental e sustentável reduzindo o desperdício de alimentos no planeta.

 

Fazemos o aproveitamento integral de alimentos orgânicos como frutas e vegetais, processando e transformando em conservas. Nossa linha de produtos respeita a sazonalidade dos alimentos excedentes, estando sempre em constante mudança, acompanhando as estações do ano e aproveitando o que a natureza nos fornece de melhor e no momento certo para consumo. O lançamento da marca está previsto para o dia 8 de agosto, no espaço de coworking Bon Jour. Após o lançamento a Santa Xepa, estará presente em feiras e eventos na cidade. Por meio de redes sociais serão divulgados os pontos de venda do produto que poderá ser adquirido em lojas de produtos naturais, feiras de produtos orgânicos e eventos.

 

Atualmente, além de trabalhar para promover a Santa Xepa, trabalho no Restaurante Escola do Departamento de Gastronomia como cozinheiro líder, aliando o Sabor de Sobra ao cardápio do Restaurante e produzindo menus com os excedentes das aulas da cozinha pedagógica para o restaurante. Essa é minha trajetória até aqui. Muitos planos estão por vir. Descobri nesse tempo meu propósito dentro da gastronomia e que é possível sim, com atitudes locais, colaborar com ações globais. E nesse espaço vou contando as minhas aventuras por aqui! Até a próxima edição :)”.