Entrevista com José E. Ribeiro, presidente do CEPA – Coordenação Estadual das Populações Afrodescendentes

Regina 25 de março de 2015

 

José E. Ribeiro, presidente do CEPA Foto: Carine Bergmann
José E. Ribeiro, presidente do CEPA
Foto: Carine Bergmann

 

Nós Podemos SC – O que é o CEPA e qual a principal luta pelo racismo e discriminação?

CEPA – O Conselho Estadual das Populações Afrodescendentes nasce em 2001, com a lei 11.718 e por força da determinação constitucional da nova constituição federal os conselhos surgem a partir dali com a ideia de um mecanismo que possibilite um melhor e maior acompanhamento da sociedade civil de uma forma geral por ações que os respectivos governos desenvolvem. E nessa toada nasceu o cepa com a finalidade de transversalizar, auxiliar, propor, orientar, e encaminhar políticas públicas de promoção da igualdade racial bem como atuar todas as vezes que chega ao conhecimento do conselho qualquer ação que verse sobre discriminação. É obvio que o conselho tem uma atuação muito pautada nas lutas de promoção da igualdade racial. Na discussão que leve ao fim do racismo. Mas não é só isso. Nós recebemos outras ações que fomos chamados a intervir. Por exemplo, logo que assumimos o conselho estivemos em Joinville acompanhando uma demanda dos povos ciganos. Conseguimos uma audiência com o prefeito, uma conversa com as pessoas que ele encaminhou para que pudéssemos fazer o diálogo e resolver, ou seja, temos feito algumas parcerias, em especial em março, no dia 8 de março, dia internacional da mulher, com o próprio conselho da mulher, buscando ações que fortaleçam e que visam dar visibilidade para discussões e provocar o debate sobre o fim do machismo, da homofobia, do sexismo, etc. E nesse caminhar nosso, estamos há um ano e meio no conselho, eu acredito conseguimos desenvolver algumas ações extremamente importantes de fortalecimento. Primeiro que quando assumimos o conselho, a proposta foi abrir de fato o conselho, ampliar porque entendíamos que ele precisava ser potencializado no sentido de se articular e caminhar pra fora dele. Quando assumimos nós tínhamos três conselhos municipais. Hoje nós temos oito conselhos municipais. Em um ano e meio conseguimos implementar cinco conselhos. Conseguimos uma coisa importante, que na verdade não é a primeira tarefa do conselho, porque existe uma coordenadoria de política de promoção de igualdade racial que deveria estar tocando as questões que visam discutir ações de governo mais especificamente, mas a criação de uma coordenadoria de política de promoção de igualdade racial em Tubarão. Acreditamos que isso é importante, pois se bem encaminhados são essenciais para fazer o debate sobre política de promoção da igualdade racial e as coordenadorias em especial têm uma função e uma atribuição que é para dentro do governo poder transversalizar políticas. Porque a gente tem o conceito da universalização de determinadas politicas. Mas quando pensamos esse conceito universal de transversalizar, sem olhar o enfoque específico de cada área, como é que se discute a questão da mulher, de juventude, do negro no aspecto do racismo, você acaba pulverizando muito essas ações e elas se perdem. Então a coordenadoria de políticas de promoção da igualdade racial veio com essa finalidade e foi muito bom. Em São Francisco do Sul foi criado o conselho, conseguimos algumas parcerias importantes. Nós estivemos no ano passado uma reunião com o presidente da OAB/SC fazendo esse encaminhamento para que se criasse um mecanismo que pudesse atender e auxiliar nas demandas. E aí foi criado em novembro de 2014 a comissão da promoção da igualdade racial da OAB, com o Fábio Dias e um pessoal muito bacana lá, no sentido de atuar para minimizar os efeitos da discriminação racial. Temos conversado muito com o Ministério Público, estamos muito próximos de uma parceria, conseguimos abrir um diálogo bastante importante, nós tivemos com o Dr. Lio, que é o procurador geral de justiça de SC e fizemos em novembro um evento para discutir os aspectos da lei 10.639 de 2003, que trata da obrigatoriedade da aplicação na história do ensino e da cultura do negro no Brasil e na África. E temos tido outros avanços, lógico que às vezes a gente fica pensando até onde pode ir, por conta da dificuldade para que as coisas aconteçam. Mas apesar disso, conseguimos desenvolver ações importantes, em termos de parcerias. Como o SOS racismo, lá com a professora Edelo, com a professora Lis, com o professor Pilon, da faculdade Estácio de Sá, que uma vez criado o SOS racismo já conseguiu desenvolver algumas ações importantes, não só no sentido do debate, de estimular a discussão, mas também agindo efetivamente. Nós tivemos aí há cinco meses um caso que foi levado ao SOS racismo de uma pessoa evangélica que não queria conviver próximo de uma pessoa que cultua uma região de natureza africana. Aí teve que chegar o judiciário e determinar o seguinte, olha você não pode fazer isso sobre pena de multa diária, etc…Então, como eu disse no inicio, o conselho foi criado para auxiliar, propor, discutir, formular políticas de promoção da igualdade racial, a gente tem o entendimento de que é satisfatório o que estamos conseguindo implementar. É obvio que num universo de mais de 6 bilhões de habitantes, num estado em que a maioria é branca, ou caucasiana, como queiram, com os seus costumes, e que tem ainda uma dificuldade para discutir essa questão. Em algumas cidades do estado isso é tão forte que você chega até não acreditar às vezes das informações que chegam. Mas, em contrapartida, temos conseguido observar que esse diálogo tem sido fundamental para quebrar alguns paradigmas. Para desconstruir o racismo. O racismo precisa ser desconstruído, porque ele tem uma história longa de construção. É mais de 300 de processo escravocrata, 127 anos após abolição, se você for analisar do ponto de vista histórico é um período curto. É obvio que para nós não, porque não conseguimos conceber e admitir que uma sociedade não consiga respeitar as pessoas por conta da sua cor, e qualquer outra forma de discriminação que exista. Mas desse universo de um pouco mais de 6 bilhões de habitantes, nós somos hoje algo em torno de 17% que o IBGE classifica como pretos e pardos. Então, a definição de negros do IBGE é a somatória de pretos e pardos. Nós passamos de 1 bilhão de habitantes e a gente tem percebido um avanço nesse debate, porque o grande problema do racismo é a desconstrução de identidade que ele causa. Pra que eu vou me reconhecer negro numa sociedade onde o negro não é reconhecido? É uma figura que o valor conceitual atribuído é zero, ou próximo disso. Então, principalmente com a juventude negra, é exatamente isso, esse resgate de identidade étnico: a minha pele, os meus traços, a minha característica, o fenótipo de nariz, de lábios, é algo de herança genética minha, então como é que eu vou me entender com isso, mesmo com toda a “operação” que existe para que a gente não tenha esse entendimento. Percebemos isso ao visualizar as redes sociais, que tem dado uma amostra muito grande do quão é perverso o racismo. De repente ele está guardado e as pessoas se manifestam. As redes sociais têm provado isso, e temos alguns bons debates, como por exemplo com a mídia, de uma forma em geral. A imprensa de uma forma geral é muito ausente desse debate, por ser distante da realidade dela. Ela é ausente desse debate e entendemos que é muito por necessidade de manutenção de determinados espaços. E isso tem gerado muito crítica, no sentido de que imprensa nós precisamos ter? Como dialogar com essa imprensa? O estereótipo que está estampado na televisão não é o estereótipo da sociedade brasileira, de verdade. Ele está muito impregnado de uma cultura eurocêntrica. Eu tenho lá mulheres bonitas, homens bonitos, caucasianos, olhos verdes, olhos azuis, com traços finos, e a realidade da nossa sociedade não é essa. E em contrapartida, o que é trágico e se não fosse trágico seria cômico, de determinados momentos conseguir lembrar e valorar a presença étnica do nossa sociedade. E é isso que a gente discute, como por exemplo no Carnaval, que eles colocam a Globeleza. Quer dizer, eu só reconheço a mulher brasileira, a mulher negra brasileira, nesse período e de uma forma muito volúvel, devido ao lance da nudez, do belo corpo, da exposição e do se vender, do se dar, então a gente tem discutido muito isso.

Enfim, eu tenho na minha avaliação que o conselho conseguiu caminhar muito com essas parcerias todas que a gente conseguiu fazer e algumas outras. Em Tijucas nós conseguimos criar o conselho, uma reunião em Tijucas até para discutir o caso de discriminação racial que aconteceu de uma diretora da escola com a mãe de um aluno, tivemos uma reunião com a secretária de educação para deixar isso encaminhado no sentido de que a gente vai acompanhar e vai apurar até o final, mas a gente começa a observar que o estímulo que o conselho estadual deu, está propondo, ele vai surtindo efeitos. É obvio que esse mandato se encerra agora no meio do ano, e vai ter que ser discutido a manutenção por quem vier posteriormente, de algumas ações mínimas que são ações que a gente entende que vai dar continuidade, que é o que a gente entende que tem a possibilidade de aos poucos reverter esse quadro. Então, as parcerias que temos feito com o Fórum Estadual de Educação para Relações Étnicos Raciais que é presidido pela professora Gerusa, a professora Maria Aparecida, o NEAB, os núcleos de educação afro que a UDESC têm proposto e desenvolvido ações que muito embora pareçam incipientes, elas começam aos poucos ganhar um volume muito grande porque, esse período da história, que foi escrito, ele foi feito basicamente com a mão de obra escrava, com a mão de obra negra. E o negro foi insistentemente relegado na hora de fazer a distribuição de riqueza desse processo. Então não é fácil você tirar esse estigma de que o negro não presta, é indolente, vagabundo, a pecha da discriminação é negativa com relação à identidade e ainda é muito forte. A gente vê os relatos e relatórios que são apresentados em relação à questão da mortalidade da juventude negra, da juventude de uma forma em geral e a gente vê quem é que mais morre. E em que condições que morre. Em via de regra, em execuções sumárias. É obvio que problemas na ponta dessas questões precisam ser discutidos, precisam de governo e de políticas de estado, e o que a gente tem procurado pontuar é que não dá pra ser a política de um governo. O governo vem, estabelece uma determinada política, ele saindo, não se sabe o que acontece com a continuidade disso. O importante é que se tenham políticas de estado, porque essas vão ficar cravadas no estado e vão precisar serem realizadas, assim como foi com a edição da Seppir, que tem conseguido irradiar algumas ações para dentro do Estado que vão pouco a pouco combatendo a questão do Racismo institucional, que é algo muito grande. No nosso estado ele é muito presente. E temos discutido isso com muita veemência porque não se admite a gente olhar em certos espaços da administração pública, eu estou usando administrações no sentido genérico, de você encontrar o negro só com a bandeja de café ou só na área da limpeza. Não que não se deva ter, nada contra, mas eu tenho que ter perspectivas de encontrar e não só no espaço de administração pública, nas empresas também, de encontrar negros nos espaços de gerência, pra que eu também possa me entender como alguém que possa chegar a esses espaços. Nós temos alguns bons exemplos recentes. O ministro Joaquim Barbosa é um deles. E sem entrar no mérito do que foi a passagem do ministro pelo Supremo Tribunal Federal, ele chegou num patamar em que a corte suprema em 150 anos nunca tinha tido. Olha quanto tempo levou-se para romper num espaço de poder. E em Santa Catarina a gente tem a possibilidade de ver em todos os espaços da administração. Nas Câmaras, nas Assembleias Legislativas, no governo e a gente teve conversas com o poder judiciário cobrando exatamente isso. O número de juízes negros, negras, o número de promotores e promotoras negras, que é muito pequeno e em SC é incipiente, o número de defensores públicos negros e negras, e será que é porque não querem? A gente sabe que não é por isso. Tem uma potencialidade muito grande em não se otimizar espaços pra que se chegue a determinados lugares. Então isso tudo é muito complexo para se resolver, a gente sabe que não se resolve com uma política de um ano, de dois anos, a gente sabe que isso é uma política de muito longo prazo, mas precisamos marcar e pontuar que essas ações fundamentais não podem deixar de acontecer. Então precisamos falar sim da saúde, da população negra com especificidade, porque muito embora a gente saiba que o quadro da saúde e educação no nosso país é um quadro assustador, quase caótico, mas é preciso entender que nesse processo existem grupos absolutamente vulneráveis. Quando se fala em educação para a comunidade quilombola, para a comunidade indígena, quando a gente fala de saúde para a comunidade quilombola, da inacessibilidade, é algo extremamente preocupante. Isso o que eu coloquei aqui é muito do que o conselho vem fazendo ao longo da sua existência, nesses seus últimos anos. E procuramos reforçar isso dando para o conselho, a característica de um conselho que fosse efetivamente participativo. Eu recebi ontem uma denúncia de uma instituição que não tem em tese ligação direta com o conselho e muito mais com o estatuto do idoso, porque é uma clínica para idosos e que tem rotineiramente perpetrado maus tratos aos idosos, mas a pessoa confiou na gente pra fazer alguma coisa. Então eu acho que essa é a principal importância do conselho, e ideia da visibilidade que ele precisa ter um conselho que é paritário, pois é composto por sociedade civil e governo, de estabelecer um mecanismo de diálogo com a comunidade. Recebemos uma visita na segunda-feira do coordenador da coordenadoria de juventude, o Gui Pereira, pra que possamos estabelecer com a coordenadoria de juventude políticas de acessibilidade para os jovens. Nós estamos em via de uma conferência da juventude e nós precisamos priorizar algumas metas. Então as ideias que eu levei para ele, ele entendeu totalmente possível e comprometeu a colocar em prática, é de uma videoconferência para dialogar com toda a juventude do estado. Porque para quem está na Grande Florianópolis, é mais fácil de chegar. Mas a grande parcela não vai conseguir chegar porque a juventude está lá para o Oeste estão no lado mais distante dessa capital, em especial as comunidades quilombolas, as indígenas, que teriam uma dificuldade enorme. Então, qual era a proposta. A proposta era fazer chegar por uma web conferência, esse debate para que eles também possam dizer o que eles pensam e sentem e às vezes algo simples de resolver, mas que a dificuldade de diálogo, de ter com quem conversar para levar essa proposta de política pública, ela sufoca essas pessoas. A gente sabe disso e é muito comum e é uma realidade. Então o conselho tem pautado muito essas questões e tem feito o máximo possível para não ser apenas um conselho representativo, mas que de fato ele atenda os anseios de quem ele representa.

A SEPPIR, Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, nasce em 2003, por uma demanda do movimento negro, que no processo eleitoral que demandou na eleição do presidente Lula, teve muito presente no diálogo e apresentou propostas que o movimento tinha e que seriam possíveis de se implementar. O presidente assumiu o compromisso de incentivar algumas políticas e primeira delas foi a SEPPIR, que foi talvez o grande marco de referência de política de promoção de igualdade racial no estado brasileiro. Porque até então o estado brasileiro não reconhecia o racismo como algo efetivo. E a medida que eu crio uma secretaria, com status de ministério, que vai cuidar desse tema, eu começo a admitir institucionalmente que o Brasil ainda é um país racista e nós precisamos discutir isso. Nós já tivemos alguns importantes desdobramentos. As conferências que precederam que seguiram depois da criação da SEPPIR colocaram na pauta um monte de ações importantes. Destacamos a lei 10.639, de 2003, que é a lei que obriga as escolas públicas e particulares de SC, e as escolas particulares simplesmente negam a discussão. Nós oficiamos as respectivas direções, o sindicato da categoria vai fazer um diálogo e eles simplesmente nos relegam, deixando de entender que eles cumprem um papel de braço do estado na questão da educação. A educação é algo de competência do estado e o estado delega para essas entidades privadas a possibilidade de auxiliar e a partir daí. Eles vêm o lado positivo que de ter o aluno, de ter a cobrança, de ter o auxílio, pra poderem trabalhar com a educação, mas a gente entende que algumas coisas eles simplesmente estão deixando de fazer.

A SEPPIR foi um espaço importante para transversalizar, nós precisamos de um processo universal de politicas. Nós reconhecemos que os avanços aconteceram e que não é uma política construídas só por negros mas também por brancos que entendem a necessidade dessa luta e a gente tem tanto no conselho como na minha vida de militância, parceiros, irmãos e irmãs absolutamente entendidos da necessidade de fazer o debate porque a compreensão do erro é tão visível que não dá para a gente olhar e não se posicionar. Então isso é de uma forma bastante ampla a função do conselho, e a função dos conselhos de uma forma geral e em especial do SEPPIR. Nós saímos agora de uma conferência em 2013 que traçou políticas para o governo do estado. Pena que a gente não conseguiu fazer o governo do estado receber essa pauta de política e implementá-las.

Hoje existe uma possibilidade de aporte de recursos financeiros para os governos trabalharem essas políticas e a gente não entende porque o governo do estado não tem feito isso. Nós tivemos recentemente com a secretária da Assistência Social, que recém assumiu, a secretária Angela Albino, e que a gente sabe que tem um compromisso e um comprometimento, que já vem muito antes dela assumir esse cargo, então a gente está numa expectativa muito positiva de que algumas coisas possam caminhar com o auxílio dela, mas não dá para depender do auxílio de um secretário e uma pasta, nós precisamos que isso seja pensado em todo o corpo da organização administrativa, porque assim a gente vai fazer com que essas políticas caminhem, do contrário elas vão ficar penduradas aqui com um e outro, por mais que se faça e que se queira fazer, o conselho entende que tem que ser uma política de estado. E essa política de estado precisa estar nas mãos do governador do Estado. Isso tem que ser uma política que saia do gabinete do governo, com a determinação de que é preciso agir e fazer com que essas políticas saiam efetivamente do papel. Nós precisamos de efetividade nessas ações.

Algumas políticas são: a efetiva aplicação em toda rede de ensino da lei 10.639 que isso ainda não acontece. Na área da saúde existem políticas específicas marcada com a temática, ontem nós tivemos uma reunião da comissão de saúde, que é presidida pela deputada Ana Paula, levando encaminhamento para que se retome a subcomissão de atenção à saúde da população negra, onde a gente consegue ver alguns problemas principalmente quem está intermediando isso, quem está lá do outro lado do balcão prestando essa política que não tem ainda o entendimento, muitas vezes age de forma discriminatória, muitas vezes relega o atendimento, eu tenho casos de mulheres que passaram por um período maior de tratamento pré-natal, de médicos que não examinam mulheres no período do pré-natal, mulheres negras, por conta da posição racista que eles têm e que é um fato.

Então assim, quando a gente pensar a administração pública e toda a sua política, toda a composição, seu secretariado, das suas secretarias, nós precisamos pensar em gestar determinadas políticas. Na administração, nas finanças, no desenvolvimento urbano, na saúde, na educação, na assistência social, na cultura, porque existem demandas que n se dá conta de quão prejudicial é a ausência dessas politicas e de uma ação muito forte ainda que é o racismo institucional. Então a gente vem lutando muito esse contraponto muito fortemente. É logico que sempre debatendo a exaustão para mostrar que as politicas que estão aí não nos contemplam. Porque a cidadania também é isso, é o cidadão consciente de seus deveres e ações, mas também um estado que não negue a participação plena desses cidadãos, senão não tem cidadania plena. Por mais que a gente possa discutir hoje o conceito de cidadania plena, é se você não trouxer para a participação efetiva uma parcela tão significativa da sociedade você vai estar simplesmente negando o acesso a bens e serviços que as pessoas precisam ter.

Nós Podemos SC – E para os debates, como vocês conseguem criar esses espaços? É fácil?

Não temos esse espaço. Embora não devemos generalizar, é um pequeno número de prefeituras que se dispõem a dialogar, a necessidade de um conselho, ou a criação de um conselho, não se dá exclusivamente por uma lei. Ele nasce de uma lei que vem do executivo, mas ele precisa ter um espaço, precisa ter equipamentos mínimos para que ele possa se servir do que ele essencialmente nasceu. Algo que me surpreendeu quando a gente esteve conversando com as prefeituras, porque a prefeitura que nós tivemos menos tivemos trabalho para criar o conselho municipal de política para igualdade racial foi Joinville. Houve um comprometimento do Prefeito Udo. Em São Francisco também foi algo rápido. São João Batista criou um órgão para discutir a questão de juventude e paralelamente irá tratar na questão racial.

Mas o que se espera é o que o governo do Estado faça mais a parte dele. Um exemplo são as comunidades quilombolas, que não tem nenhuma política voltada para eles o que acontece dentro desses espaços é por causa da atuação dos movimentos. Então é a nossa resistência. Se tem algo hoje que resiste fortemente na nossa cultura e nos resgata essa identidade é a necessidade de manutenção dos espaços tradicionais de comunidades quilombolas e religiões de natureza africana. Embora tenha o massacre, por conta de outras religiões, do pré-conceito e de uma ideia deturpada que fazem, talvez até levado por pessoas não têm a real concepção do sacerdócio, da religião de natureza africana, mas se não fosse isso, que são os pilares que nos mantém o que nos dá o elo de ligação com a ancestralidade e essas questões. Então a gente se segura muito nisso, resistindo muito e fazendo com essas ações de diálogo de momento de enfrentamento e de debate elas aconteçam pra gente tirar alguma ação mínima disso.

Nós Podemos SC  – Como vocês dialogam com as Organizações da Sociedade Civil? Tem uma rede para pensarem juntos nessas políticas públicas?

CEPA – Parte das ações que nós fizemos aqui em SC sempre teve senão direta mas indiretamente a participação dos sindicatos, movimento de mulheres, movimentos populares de uma forma geral, sempre participaram até porque a gente entende a necessidade. Essa parceria que os movimentos têm é o que nos mantem, porque sempre que somos chamados para um apoio a um determinado segmento social vamos porque a gente entende a necessidade de apoiar e também o conhecimento de quando a gente precisa a gente tem essa participação.

Isso já não acontece com os partidos políticos. Muito embora existam alguns partidos que tem no seu objetivo a luta contra a discriminação, lamentavelmente não é debatido dentro dos partidos. Assim como não é debatido uma maior participação da mulher dentro da vida política. Aquele carimbo de 30% das cotas para mulheres, por exemplo, quando se precisa, quando chega o processo eleitoral, quem é que a gente vai trazer pra ocupar essa vaga, é quando na verdade os partidos deviam estar pensando como é que a gente constrói no dia-a-dia políticas de participação, como é que a gente chama, se provoca o dialogo e se faz o debate com mulheres para que elas possam participar. E na questão do negro ela é um pouco pior, porque a gente percebe muita massa de manobra, de um uso escalonado dessa militância. É comum que a militância vá de encontro desse partido quando ele chama para a ação. Mas lamentavelmente não é comum que o partido volte a essa resposta positiva quando o movimento chama. Eu olho para SC e com o seguinte questionamento: quanto secretários negros nós temos? Diretores? Secretários adjuntos? Ou seja, nesses espaços que são preenchidos por partidos, quem está lá? Quem compõe esses espaços de visibilidade? Sabemos que existem homens e mulheres negras aptos a assumirem esses postos e acabamos não vendo. Por quê? Será que é força do destino? Não, é a invisibilidade que o racismo institucional provoca, e que impede que eu traga para determinados espaços pessoas com a mesma capacidade e condição que uma pessoa branca tem. Quando eu tenho a possibilidade do acesso a educação mínima e de qualidade eu tenho capacidade de desenvolvimento tão eficiente quanto. Prova disso são as cotas, tão debatidas e combatidas há alguns anos, a ponto do Supremo Tribunal Federal que ela era válida inconstitucional, apresentar nos seus balanços anuais notas iguais. De cotistas com não cotistas as notas tem sido muito próximas. Em alguns casos, e isso não significa nenhuma superação, algo melhor, em alguns casos os cotistas tem superado as notas dos não cotistas. Isso não significa dizer que é absolutamente melhor, mas é um referencial de trazer a discussão do porque não se trabalha isso efetivamente, porque não se tem essa política efetiva no quadro das administrações.