Por Arthur Rancatti, realizador de projetos de sustentabilidade, educador e coordenador de comunicação do Movimento Nacional ODS SC.
Em novembro, estive em Brasília participando da Semana da Inovação da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Durante o evento, tive a oportunidade de participar de um painel sobre negócios regenerativos e novas formas de cuidar, que foi o tema central da Semana neste ano. As discussões giraram em torno de exemplos práticos e de como fazer com que as pessoas gerem renda enquanto cuidam do meio ambiente e das relações humanas. Essa experiência reforçou ainda mais a conexão entre os negócios regenerativos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, além de destacar a importância de práticas inovadoras que alinhem preservação ambiental, inclusão social e desenvolvimento econômico.
Os processos produtivos e o consumo desenfreado têm sido grandes aliados ao que chamamos hoje de crise climática. Segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), formado por mais de 200 importantes cientistas de 66 países, concluíram que a influência humana no aquecimento da atmosfera, dos oceanos e da terra é inequívoca.
Desde a época pré-industrial em meados dos anos 1850, até os dias atuais, a temperatura média global subiu 1,2ºC. Para alguns especialistas essa média de aumento varia entre 1ºC a 1,3º. Estudos da mesma fonte, trazem que se atingirmos o aumento de 2ºC na temperatura média do planeta, entraremos em um ponto de não retorno e perdas de diversas formas de vida.
A mudança do clima resulta em sérios desafios, não só para nós seres humanos, mas como também para outras espécies, solo, ar, águas…Com a perda de biodiversidade, branqueamento de corais, eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e novas doenças a cada estação, fica cada vez mais evidente que governos, sociedade e negócios precisam atuar em conjunto em busca de soluções profundas para esta crise.
Buscando inspiração na natureza
Diante de inúmeras tentativas, algumas com sucesso e outras nem tanto, os negócios regenerativos surgem como uma metodologia em construção de novas formas de produzir e consumir com mais responsabilidade, impulsionando negócios que regeneram a economia local, valorizam as pessoas e potencializam o cuidado com o meio ambiente.
Negócios regenerativos nada mais são do que iniciativas criadas para resolver um problema social ou ambiental, muitas vezes os dois juntos, e ao mesmo tempo gerar renda. A natureza pode ser inspiração para a solução destes desafios, por exemplo, entendendo os ciclos da natureza podemos aplicar nos negócios trazendo a ciclicidade dos processos, inspirando ciclos mais virtuosos do que processos lineares com desperdício e degradação.
Conexão com os ODS
Os negócios regenerativos possuem forte conexão com diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), evidenciando o potencial de transformar desafios em oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, práticas como a compostagem e a reutilização de resíduos orgânicos contribuem diretamente para o ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis, ao reduzir a geração de resíduos e regenerar o solo (Meta 12.5). Iniciativas comunitárias como a produção de artesanato por mulheres indígenas do Oiapoque, que utilizam materiais naturais, como vermos mais detalhadamente a seguir, apoiam o ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico (Meta 8.3) e o ODS 5 – Igualdade de Gênero (Meta 5.a), ao gerar renda de forma inclusiva e sustentável.
Além disso, a preservação de áreas nativas por meio do fortalecimento econômico dessas comunidades contribui para o ODS 15 – Vida Terrestre (Meta 15.5), protegendo habitats naturais e espécies ameaçadas. Aplicações práticas podem incluir a adoção de métodos de economia circular por empresas, programas de educação ambiental para sensibilizar gestores públicos e o fortalecimento de cadeias de valor baseadas na biodiversidade local, promovendo uma abordagem integrada e transformadora frente à crise climática.
As empresas como aliadas da regeneração
Empresas de compostagem têm se mostrado como grandes aliadas às soluções de gestão de resíduos mais eficientes. Diferente de aterros e lixões que produzem metano – um dos principais gases causadores do aquecimento global – a compostagem transforma os restos de comida, podas e roçadas em adudo, fixando carbono na terra e evitando a perda de nutrientes como potássio, fósforo e nitrogênio. Em média, metade dos resíduos sólidos urbanos são orgânicos que podem ser aproveitados de forma mais inteligente, regenerando solo e criando novos negócios. Ainda há um desafio grande de mudança cultural e entendimento de muitas prefeituras e terceirizadas que fazem a gestão de resíduos nas cidades, mas existem muitos empresários e iniciativas comunitárias de sucesso espalhadas pelo Brasil.
Outra forma de gerar trabalho e renda com negócios regenerativos, é através de comunidades que produzem a partir de matérias primas locais. Um exemplo lindo que vem acontecendo na Amazônia, que conheci através de uma grande referência em negócios regenerativos no Brasil, Viviane Noda, é de comunidades indígenas do Oiapoque, com cerca de 300 mulheres, que produzem artesanato, jóias e acessórios de miçangas e sementes que vão muito além de uma simples fonte de renda. O artesanato indígena, com seus grafismos e técnicas ancestrais, carrega histórias culturais e representa uma ferramenta de alta potência no combate às mudanças climáticas. A venda desses produtos não só gera renda para as famílias, permitindo sua permanência nas terras originárias, mas também promove o resgate cultural e fortalece o movimento de proteção das áreas nativas, essenciais para o equilíbrio climático global. Para conhecer a loja online lançada recentemente, acesse o perfil da Ximē Lavi no Instagram.
Meu negócio é regenerativo?
As inspirações são inúmeras, não só no Brasil mas no mundo. Sempre que formos criar algo precisamos planejar: de que forma o meu negócio vai gerar trabalho e renda ao mesmo tempo que regenera o meio ambiente? Como vamos conseguir regenerar as relações, a política, a cultura e as pessoas envolvidas no negócio? Hoje, para além de preservarmos o que ainda temos, precisamos regenerar aquilo que foi negligenciado por anos e agora padece de cuidado. A crise climática é um fato e não temos mais tempo de esconder e negar os dados. Cuidar, preservar e regenerar são palavras de ordem para os próximos anos se quisermos imaginar um futuro possível