Ação faz parte da série de eventos que marcam o lançamento do Sinais Vitais – Adolescentes e Jovens no Mundo do Trabalho. O objetivo é aprofundar as discussões contextualizando com o momento atual, de crise econômica e social agravada pela pandemia
Existe trabalho infantil em Florianópolis? Como ele impacta na vida de crianças e adolescentes? De que maneira esse cenário se agravou no contexto da pandemia? Essas foram algumas das questões discutidas no seminário Trabalho Infantil – Quando os direitos já foram violados, realizado na última terça-feira, dia 19, pelo Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICOM). A ação faz parte de uma série de eventos realizados no mês de outubro para marcar o lançamento do diagnóstico social participativo Sinais Vitais – Adolescentes e Jovens no Mundo do Trabalho.
O seminário foi conduzido por André Viana Custódio, consultor em políticas públicas para infância. Conforme revela o Sinais Vitais, no último Censo do IBGE, 4.515 crianças e adolescentes foram identificadas trabalhando em Florianópolis. No entanto, esses dados são passíveis de subnotificação. “A invisibilidade é um dos problemas”, aponta Custódio, que explica que predominam o trabalho infantil nas ruas e o trabalho doméstico.
Essa invisibilidade também foi debatida, como um desafio que dificulta o planejamento de políticas públicas. “É por isso que muitas vezes trabalhamos com indícios e percepções. Porém é preciso olhar para os adolescentes e jovens a partir de um retrato da cidade, levando em consideração a sua capacidade de resiliência e suas grandes potencialidades. Uma cidade com quase 500 mil habitantes, em sua maioria mulheres, tendo uma parcela bastante representativa de jovens, totalizando 25% da população nessa faixa etária. É necessário pensar na proteção dos direitos dessa população”, avalia Custódio.
Conceito de trabalho infantil
Todo trabalho realizado abaixo de 16 anos e fora de programas de aprendizagem é considerado trabalho infantil, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. A partir de 16 anos a legislação considera como trabalhador comum, porém atividades consideradas perigosas, insalubres e penosas são proibidas abaixo dos 18 anos.
Para André Viana Custódio, há três causas principais para o trabalho infantil. A principal delas é a econômica; a segunda é a cultura, devido à crença equivocada de que aqueles que trabalham desde cedo garantem o futuro; e a terceira é a fragilidade de políticas públicas e a falta de iniciativas como universalização da educação e atividades no contraturno escolar.
Como identificar o trabalho infantil?
Segundo Custódio, “o trabalho doméstico de criança e adolescente em casa de terceiro é caracterizado como trabalho infantil. É o caso da menina que cuida de crianças, ou idosos, quando caracteriza cuidado permanente”.
Mas é possível a exploração do trabalho doméstico pela própria família. Isso ocorre quando a tarefa é incompatível, atrapalha no desenvolvimento e quando a criança ou o adolescente assume a responsabilidade dos adultos. “O trabalho infantil doméstico revela as desigualdades de gênero e raça. As meninas e a população negra são mais suscetíveis à exploração. O trabalho doméstico parece ser leve, porém é insalubre, perigoso, penoso, afeta o desenvolvimento, dificulta os processos de aprendizagem e interrompe a socialização. A tolerância é resultado da nossa cultura da escravidão”, pontua. Ele também avalia que essa é uma situação que foi agravada pela pandemia.
Segundo o especialista, existe uma história patriarcal que torna invisível o trabalho doméstico, e a educação para promover a igualdade de gênero é fundamental para evitar o adoecimento mental da mulher por sobrecarga. “Devemos ter um olhar apurado para entender com a responsabilidade que essa criança ou adolescente está assumindo, e priorizar o direito à educação. A criança e o adolescente devem estar livres para frequentar a escola. Esse deve ser o olhar”.
Diferente do doméstico, o trabalho infantil mais visível é aquele realizado nas ruas, que muitas vezes não é visto como um problema. “Somos herdeiros de uma grande exploração de mão de obra infantil. Por conta das políticas públicas, melhoraram as condições, mas ainda não foi erradicado. É papel da nossa geração erradicar o trabalho infantil”.
Dificuldades na erradicação
Durante o seminário, foram discutidas as dificuldades que Florianópolis enfrenta para erradicar o trabalho infantil. Na visão de Daiane Corrêa, conselheira tutelar, há falhas no fluxo de atendimento e na conscientização. “A criança que está e situação de trabalho infantil está complementando a renda. Qual será a transferência de renda para que a criança não retorne? E a conscientização da família, que acha que o trabalho é bom, que dignifica?”, questionou Daiane.
Segundo Custódio, o fluxo do atendimento não pode se romper. “Os fluxos precisam ser pensados em parceria com a rede de proteção, por meio do encaminhamento à proteção, seguida de notificação do Conselho Tutelar”. Além disso, é preciso ter um acompanhamento da frequência escolar, avaliação da condição de saúde e atendimento na assistência social, além de vínculos e contraturno escolar. “Ofertar melhores alternativas para o adolescente e a família é o que pode mudar essa realidade”, alerta Custódio.
Próximo seminário irá debater o programa Jovem Aprendiz
O próximo encontro será no dia 26, às 14h, e o assunto é o programa Jovem Aprendiz, que foi criado para garantir aos adolescentes e jovens o direito ao crescimento saudável, de estudar e de se preparar para o mercado de trabalho, no tempo adequado, além de garantir o direito ao lazer e à convivência familiar, como forma de assegurar o seu desenvolvimento físico e mental do adolescente. O evento será conduzido pela equipe do ICOM e as inscrições podem ser feitas aqui.
O Sinais Vitais identificou que o potencial de contratação de jovens aprendizes em Florianópolis é de 15 mil. Em 2018, 2.265 estavam com contrato ativo. Naquele mesmo ano, 7 mil pessoas aguardavam por uma vaga de emprego como jovem aprendiz na cidade. “Com isso, concluímos que há muito espaço para que estes jovens atuem, tendo seus direitos respeitados e salários dignos”, alerta Larissa Boing, Gestora de Programas do ICOM.