Em 2030, seremos 8,6 bilhões de pessoas no planeta. Em busca de mais estrutura, migraremos cada vez mais para os centros urbanos e, em 2050, 70% de nós viverá nas cidades. A previsão demográfica da ONU é um dos cenários que convoca para medidas capazes de garantir a sustentabilidade do planeta. Diante destas perspectivas, é que surge a Nova Agenda Urbana (NAU), aprovada por líderes mundiais em outubro de 2016, durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), em Quito, no Equador.
O documento foi criado para orientar a urbanização sustentável nas duas décadas seguintes. Entre os temas sobre os quais o documento trata, estão a igualdade de oportunidades para todos; o fim da discriminação; a importância das cidades mais limpas; a redução das emissões de carbono; o respeito pleno aos direitos dos refugiados e migrantes; e a implementação de melhores iniciativas verdes e de conectividade
..:. Conheça o documento oficial da nova agenda urbana .:.
Para a presidente do CAU/SC, Daniela Sarmento, as cidades devem promover aproximações entre os atores que usam, legislam e decidem sobre o seu modelo de desenvolvimento. “As cidades são instâncias de exercício da democracia. A experiência das pessoas, aliada ao conhecimento científico, técnico, urbanístico e ambiental, são fundamentais para avançarmos nos desafios que nos propõem a agenda urbana”, afirma a arquiteta.
Diante deste contexto, a presidente destaca o papel dos arquitetos e urbanistas e também do CAU na promoção da Nova Agenda Urbana. “É fundamental que sejamos capazes de promover o conhecimento urbanístico para que a cultura do preservar, do cuidar da cidade seja acessível a todas as pessoas, difundindo o conceito da função social da cidade. A partir do momento esta compreensão se consolida, o processo participativo ganha qualidade e a consciência do seu direito à cidade faz com que o debate sobre os desafios que a agenda nos propõe tome aderência e engajamento, comprometendo todos os atores”, afirma.
O Conselhos de Arquitetura, defende Daniela Sarmento, podem desempenhar o papel fundamental de abrir o diálogo entre legisladores, profissionais e outros atores. Procurando responder a este desafio, o CAU/SC se tornou signatário do Movimento ODS/Santa Catarina, que articula organizações comprometidas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU no estado. Também é patrocinador oficial do ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. “Quando o CAU/SC decide incorporar os ODS no seu planejamento estratégico e, a partir desta orientação, estruturar os seus projetos e seu posicionamento com a sociedade, se coloca como promotor da agenda urbana e abre o diálogo com outros os atores que promovem a cidade. Conseguimos, assim, agir para que a agenda seja efetiva”, acredita a presidente.
Como avançar na Nova Agenda Urbana
As cidades estão ajustando o seu compasso à agenda? No Dia Mundial das Cidades, data que a Organização das Nações Unidas instituiu para marcar a relevância da urbanização para o desenvolvimento global e inclusão social, consultamos alguns arquitetos especialistas no debate e pedimos que elencassem os três principais desafios das cidades para a implementação da Nova Agenda Urbana. Confira:
Silvia Lenzi
Arquiteta e urbanista. Ex-presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (1985-1987). Coordenou projetos importantes na Grande Florianópolis é fundadoras do grupo multidisciplinar Movimento Traços Urbanos. É ex-conselheira do CAU/SC (2015/2017)
1. Convencimento dos Prefeitos e demais lideranças municipais sobre a importância de atendimento de metas que ultrapassam o prazo da sua gestão;
2. Entendimento, por parte dessas lideranças que a incorporação desses objetivos no seu mandato, dará mais retorno e reconhecimento do que o atendimento das demandas de grupos econômicos que apoiaram as suas campanhas;
3. Elaboração de um Plano de Governo que inclua como tema transversal a Nova Agenda Urbana, permeando todas as demais Políticas Públicas Municipais.
Ronaldo Lima
Arquiteto e urbanista. Foi secretário de Habitação em Jaraguá do Sul (2016) e presidiu o Instituto Jourdan de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Urbano e Econômico de Jaraguá do Sul. Primeiro presidente do CAU/SC, entre 2011 e 2014
1. Educação: Desenvolver educação acessível e de qualidade que promova cultura cidadã e empreendedora. Não dá pra esperar desenvolvimento num país em que boa parte dos que conseguem estudar sonham em passar num concurso público.
2. Planejamento: Desenvolver planejamento urbano e econômico com participação social e interpretação técnica multidisciplinar de forma continuada e, preferencialmente, independente do executivo. Os recursos (pessoas, dinheiro) investidos em pesquisa e participação da sociedade não podem ser desperdiçados, frustrados ou engavetados por uma nova gestão.
3. Desburocratização: O excesso de regras, leis e trâmites para tudo que precisa acontecer nesse País, não nos livra da corrupção e desestimula o empreendedorismo, a geração de empregos, a implementação de infraestrutura e o desenvolvimento sustentável necessário às cidades e território brasileiro.
Luiz Alberto de Souza
Arquiteto e urbanista. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU. Foi consultor urbanístico para elaboração e para revisão de Planos Diretores Municipais de diversas cidades catarinenses. Presidiu o CAU/SC no mandato 2015-2017
1. Convencimento e conscientização da esfera pública, dos poderes públicos constituídos em todos os níveis (municipal, estadual e federal). Sem esta conscientização dos governantes fica muito difícil avançar na implementação desses objetivos.
2. Uma estratégia ampla para inclusão da sociedade civil neste processo e que demonstre com exemplos eficazes como cada cidadão pode contribuir. Esta estratégia precisa considerar médio e longo prazo e, portanto, deveria ser pensada a partir da educação das crianças e dos jovens.
3. Mobilização das entidades que são as principais alavancas em cada um dos grandes objetivos da agenda urbana. As grandes entidades nacionais do Brasil, autarquias, associações civis de categorias profissionais – entre elas, as dos arquitetos – podem incorporar essa agenda em seus marcos de atuação. Se cada uma delas formular políticas de estímulo ao cumprimento desses objetivos em suas áreas de atuação, podemos ter uma grande estratégia nacional.
Lino Peres
Arquiteto e urbanista. Professor Associado e pesquisador do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, contribuiu na urbanização e reurbanização de comunidades na Grande Florianópolis. É vereador em Florianópolis
1. Rompimento com a matriz da desigualdade e segregação socioespacial de nossas cidades, através da implementação de um amplo programa de inclusão socioespacial que passe pela redistribuição da renda; imposto sobre as grandes fortunas e capital, principalmente financeiro; cobrança da dívida ativa privada nacional, que cresceu por sistemática e criminosa sonegação; e urgente auditoria da dívida externa.
2. Implementação efetiva do Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) e de todos os instrumentos jurídicos da legislação urbana criados a partir da Constituição Federal de 1988. Fortalecimento do Ministério das Cidades e retorno à sua função inicial, quando de sua criação, projeto tão demandado pela categoria d@s arquitet@s desde os anos 60.
3. Ampliação da experiência de processos participativos de construção e desenvolvimento de planos diretores sob a égide da gestão democrática das cidades e de uma cultura apropriativa do espaço vivido da cidade, segundo Lefebvre, partindo dos espaços públicos, conceito que vinha se desenvolvendo desde finais dos 80 até 2016 e que recentemente vem sendo diminuído ou interrompido. É urgente a retomada destes processos e programas, suspensos principalmente pelo atual governo federal. Destaco o tratamento urgente e emergencial da mobilidade urbana; a retomada das obras do PAC nas áreas urbana e habitacional e ampliação do Minha Casa Minha Vida de forma crítica, rompendo com o modelo periférico deste programa; ampliação do programa de saneamento, que está sob risco de privatização e/ou desregulamentação; e adoção de um amplo programa de regularização fundiária e urbana que se contraponha à atual Lei 13465/17 ou que lhe imprima um tratamento de inclusão social efetivo.
Texto: Ana Araujo | Jornalista – Agência Escudero